Por Lucia Cavalcanti*

O empreendedorismo é um elemento-chave para o desenvolvimento econômico de qualquer país. A geração de emprego e renda, a criação de produtos e serviços para as demandas do mercado, a promoção de inclusão social e o estímulo à competitividade e à inovação são apenas alguns dos benefícios que podemos associar rapidamente à existência de uma cultura empreendedora forte e dinâmica.

No Brasil, um fator é usualmente associado como elemento que tem contribuído para a expansão do empreendedorismo: a criatividade, uma de nossas principais características. Mas, seria mesmo esse o principal fator? Quais seriam os maiores entraves para o país se tornar, de fato, uma nação mais empreendedora?

Empreendedorismo no mundo

Há 23 anos, o Global Entrepreneurship Monitor (GEM), uma iniciativa conjunta entre o Babson College (USA) e a London Business School (UK), publica um relatório sobre o nível ou estágio do empreendedorismo em diferentes países e sobre o ecossistema de empreendedorismo ao redor do mundo. Para a edição do relatório 2021/2022, foram entrevistados cerca de 150 mil empreendedores em 50 economias, que respondem por 68% do PIB global e 45% da população mundial (dados do World Bank).

Em cada país, o GEM conta com parceiros locais. No Brasil, o trabalho foi conduzido em conjunto com o Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Uma observação relevante sobre a edição 2021/2022: é possível observar os impactos da pandemia de covid-19 sobre a atividade empreendedora, comparando-se os resultados com os dos anos de 2019 e 2020.

Baseada numa metodologia que vem sendo aplicada de forma consistente há mais de 20 anos e com dados que permitem analisar a evolução de um determinado país ao longo do tempo, o GEM apresenta um termômetro em que cada país, além de sua análise individual, também é comparado ao seu peer group (grupo de pares, em tradução livre). O critério para a separação dos países em grupos (A, B ou C) é o PIB per capita (dados do World Bank). O Brasil se encontra no grupo C (economias com PIB per capita de até US$ 20,000 – PPP), com uma grande concentração dessas economias na América Latina, Caribe e África.

Brasil: pontos positivos e deficiências

Os dados do Brasil, no relatório GEM 2021/2022, estão apresentados na figura abaixo, onde cada uma das 13 dimensões analisadas mostra a pontuação individual alcançada e a posição relativa entre a média dos países do Grupo C:

Analisando as avaliações absolutas obtidas, constata-se que a dimensão em que o país apresenta seu melhor desempenho (Ease of Entry: Market Dynamics, com 6 pontos) está relacionada ao fato de nosso país ter um enorme mercado interno ávido por novos produtos e soluções. Esta condição muito favorável ao Brasil poderia, se apoiada por políticas de fomento ao empreendedorismo, resultar em um crescimento acelerado nos próximos anos.

O fato é que, apesar de todos os entraves (que não são poucos!), o Brasil tem apresentado altas taxas de atividade empreendedora. Em 2021, nossa Total Early Stage Entrepreneurial Activity (TEA) rate foi de 21%, a taxa mais alta entre as economias com população superior a 50 milhões de pessoas. Esta taxa de empreendedorismo inicial reflete o número de empreendedores “nascentes” (quem realizou alguma ação visando ter um negócio ou abriu um em até três meses) e “novos” (com 3,5 anos de operação).

Por outro lado, os dois piores indicadores – ou mais críticos (em valores absolutos) – são Entrepreneurial Education at School (1,6 pontos) e Government Policy: Taxes and Bureaucracy (2,3 pontos). O primeiro aponta para um problema estrutural de nosso país: o acesso limitado da população à uma educação formal de qualidade e à capacitação para empreender.

O segundo, também de amplo conhecimento, mostra que, apesar dos avanços recentes no ambiente de negócios, o Brasil ainda apresenta uma elevada burocracia e uma carga tributária desestimulante e hostil. Os elevados custos para se manter em conformidade levam muitos negócios a permanecerem na informalidade.

O papel da JA Rio de Janeiro na disseminação da educação empreendedora

A Associação Junior Achievement do Rio de janeiro é parte da JA Worldwide, organização que atua mundialmente há mais de um século, contando com centenas de programas e projetos voltados para a formação de jovens, adolescentes e pessoas em vulnerabilidade social, com foco em educação financeira, empreendedorismo e preparação para o mercado de trabalho.

A Trilha Empreendedora é um dos projetos realizados pela JA Rio de Janeiro. Em 2021, mais de 6 mil alunos foram capacitados somente por meio desta iniciativa. Em 2022, a Trilha expandiu sua atuação para 123 escolas de 39 municípios do Estado, e a excelente novidade é que o projeto passou a integrar o currículo do ensino médio de escolas da rede estadual de ensino, em linha com a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2021.

“Apesar dos avanços recentes no ambiente de negócios, o Brasil ainda apresenta uma elevada burocracia e uma carga tributária desestimulante e hostil”

A BNCC introduziu o conceito de competências e habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica, tendo, como premissa, sua formação integral e conexão com as exigências e desafios da atualidade. A inclusão da Trilha Empreendedora na base curricular traz, entre outros benefícios, uma contribuição para a redução da evasão escolar por meio do estímulo proporcionado pela educação empreendedora. Os jovens demonstram um interesse elevado por esse conhecimento mais conectado com o mundo globalizado.

A JA Rio de Janeiro, que compõe uma prestigiada rede global indicada ao Prêmio Nobel da Paz 2022, também conta com o projeto Miniempresa, o qual, como o próprio nome sugere, envolve a criação de uma empresa em todas as suas dimensões: produtiva, comercial e financeira. Durante aproximadamente quatro meses, várias pessoas voluntárias veem surgir ideias de produtos, compra de insumos, produção, venda e a representação das atividades nos demonstrativos financeiros. É uma experiência de considerável crescimento pessoal e profissional para todas as pessoas envolvidas.

* Lucia Cavalcanti é graduada em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, e em Direito, pela Faculdade Cândido Mendes. Possui MBA em Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais – IBMEC e é Conselheira de Administração (CCA) e Conselheira Fiscal (CCF) certificada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. Ao longo de sua trajetória profissional, assumiu posições gerenciais seniores em empresas e em instituições financeiras e foi CFO da SuperVia Concessionária de Transporte Ferroviário S/A, Apolo Tubos e Equipamentos S/A e Neogás do Brasil S/A. Atuou, ainda, como consultora e, atualmente, é membro do Comitê de Auditoria da GetNinjas S/A, Conselheira Fiscal do Observatório Social do Brasil – SP, da Fundação do Câncer e da JA Rio de Janeiro. Participou, como voluntária e mentora da área financeira, na edição do primeiro semestre de 2014 do Projeto Miniempresa.